Integração: palavra-chave da reforma curricular nos Estados Unidos
Escolas criam cursos multidisciplinares para ajudar estudantes a se especializarem em temas de seu interesse
Por Marcela Gonsalves
Em 2005, quatro das principais escolas norteamericanas de jornalismo se uniram ao Carnegie Institute e à Fundação Knight para renovar seus currículos e melhorar o ensino de uma profissão em crise – saiba mais sobre o assunto clicando neste link. Entre elas estavam a Escola de Jornalismo de Berkeley, da Unversidade de Califórnia, a Escola de Jornalismo de Columbia, a Escola de Jornalismo Medill, da Universidade Noroeste, e a Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, da Universidade de Califórnia do Sul, todas focadas em cursos de pós-graduação. O balanço de suas experiências e de outras sete faculdades que se integraram ao projeto ao longo do tempo foi divulgado em um relatório em agosto de 2011.
Como o prefácio do documento destaca, a reforma curricular foi feita de maneira independente. Os responsáveis pelas escolas que participaram do projeto se reuniram e discutiram suas ideias, mas cada um deles apresentou diferentes propostas a serem implementadas com suporte financeiro da parceria Carnegie-Knight. Entre os quatro membros originais da iniciativa, porém, fica claro na descrição individual dos resultados que, apesar das estratégias diferentes, alguns resultados finais têm muito em comum.
Entre eles está o esforço para a integração entre as diferentes matérias do curso de jornalismo. Sobre isso, Robert Gunnison, um dos responsáveis pelo projeto Carnegie-Knight em Berkeley, afirma: “Não costumávamos fazer esse tipo de coisa antes. Era fragmentado. ‘Isso é meu, e eu farei do meu jeito’. Todos dançavam conforme o próprio ritmo. E eu acho que esse espírito de cooperação, trabalho em equipe, entre outros, não irá embora [depois da reforma]”.
Contudo, a tentativa das escolas de conquistar respeito dentro das respectivas universidades e a busca da integração entre as outras áreas do conhecimento disponíveis dentro delas é notável. Pelos depoimentos dos responsáveis pela reforma de cada escola, fica claro que há uma noção de que é preciso dar aos estudantes a possibilidade de se especializar em uma área ou assunto, de preferência com recursos já disponíveis dentro das instituições, capacitando-os a explicar um mundo cada vez mais complexo.
Multidisciplinaridade
Em relação ao intercâmbio com outras áreas de estudo, algumas escolas adotaram o modelo do seminário. Um dos exemplos é a Walter Cronkite, da Universidade do Arizona, que definiu o seminário como um modelo para mergulhar em um assunto importante com a ajuda de especialistas de outras disciplinas. Para colocar o modelo em prática, criou um núcleo multidisciplinar para explorar dimensões culturais, históricas, políticas, jurídicas, econômicas, religiosas e sociais da vida dos latinos nos Estados Unidos. O tema foi escolhido porque a Universidade do Arizona tem uma das maiores concentrações de estudantes hispânicos, e um estudo conduzido pela Walter Cronkite apontou que a maioria das matérias veiculadas sobre essa população se restringia a falar sobre imigração.
Por outro lado, a Medill School, em resposta às mudanças profundas trazidas pela tecnologia, criou um novo curso interdisciplinar, mais voltado para a pesquisa. Batizado de “Journalism in a Networked World”, algo como “jornalismo em um mundo em rede”, a proposta era desafiar os estudantes a pensarem sobre o papel do jornalismo nessa nova sociedade. O curso foi elaborado com a ajuda de outros quatro professores da universidade, entre eles um pesquisador da estrutura de redes, uma especialista em análise das redes sociais, uma pesquisadora da difusão de tecnologias, e uma expert em comunidades na internet.
Novas propostas de pós-graduação
O maior exemplo da adoção do conceito de multidisciplinaridade talvez seja a escola de jornalismo de Columbia, que reformou seu currículo baseado nele. Através do financiamento do projeto Carnegie-Knight, pode ser inaugurado um novo curso de pós-graduação (Master degree), o Master of Arts. Antes, a escola oferecia apenas o Master of Science.
O programa do curso foi elaborado com foco em trazer bons professores e pesquisadores da universidade para ensinar, ao lado de professores de jornalismo, diversas disciplinas na escola. Mas Columbia apostou em um diferencial, colocando essa parceria não apenas como uma mera visita. Ela exigiria comprometimento e foco dos professores convidados para ensinar em disciplinas criadas com um objetivo claro, auxiliando na formação de profissionais competentes nas suas áreas de interesse.
Segundo Nicholas Lemann, um dos responsáveis por idealizar o Master of Arts, com essa iniciativa o curso finalmente atingiu as expectativas do responsável pela fundação da escola, Joseph Pulitzer. Ele afirmou, em 1904, que nos cursos universitários gerais poderiam ser encontrados subprodutos que atenderiam às necessidades dos jornalistas, e que eles poderiam ser desviados, extraídos e concentrados para formar um jornalista especialista.
Na Annenberg School, na Carolina do Sul, dois novos Masters foram criados. Inicialmente, a escola lançou a especialização em ciência e tecnologia. Assim como Columbia, lá também era oferecido apenas o Master of Science antes da intervenção da parceria Carnegie-Knight. Com o sucesso da primeira iniciativa, em 2008 foi colocada outra proposta, de criar um M.A. focado nas artes, capaz de integrar ainda mais outros cursos da universidade com o de jornalismo. Na época da publicação do relatório de 2011, ambos os cursos foram considerados bem sucedidos.
De acordo com o reitor Geoffrey Cowan, um dos responsáveis por implementar os novos Masters na Annenberg, “a iniciativa Carnegie-Knight está ajudando o ensino de jornalismo a preparar a próxima geração com o conhecimento especializado que eles precisarão para prestar serviço aos leitores e espectadores”.
Em geral, as escolas que integraram o projeto precisaram de ousadia para pensar novos modelos de ensino e criar novas experiências. Assim como a própria mídia está em busca de inovação para sobreviver à crise da era digital, as escolas também precisaram se transformar, redescobrindo seu papel na formação de bons profissionais. E talvez esse passo em direção à inovação dado pelos cursos superiores possa, inclusive, ajudar o jornalismo como um todo a se redescobrir. Como Eric Newton, vice-presidente do programa na Fundação Knight, escreveu no blog da instituição, as grandes escolas de jornalismo americanas estão descobrindo que podem ensinar inovações digitais e jornalismo de qualidade ao mesmo tempo. Por que, então, duvidar que as empresas poderão usar as inovações digitais e fazer jornalismo de qualidade ao mesmo tempo?