Diretrizes do MEC explicitam os 10 mandamentos para um bom jornalista
por Glenda Almeida
O documento que contém as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Jornalismo, compiladas em fevereiro de 2009, deve ser leitura obrigatória para todos os estudantes brasileiros que pretendem, um dia, ser jornalista. Não somente por relembrar valores da profissão, mas por conseguir contar, em cerca 26 páginas, parte importante de suas origens históricas e do por que dos principais desafios atuais. A importância dessa leitura, de acesso fácil e gratuito via Google, além disso, está na capacidade de atiçar no leitor aluno o senso crítico em relação à faculdade onde estuda, estimulando-o a exigir um ensino de qualidade, que atenda às “palavras bonitas” do documento, tornando-as efetivas e realistas.
É explicitada, no documento, a importância de o Jornalismo ser tratado como curso de graduação, com todas as suas especialidades, e não como uma habilitação da área de Comunicação Social. Explica, inclusive, o porquê histórico dessa locação, que é origem de muitos dilemas atuais. Segundo as Diretrizes, essa “generalização” é “estrategicamente” uma herança do contexto de Guerra Fria, de determinações errôneas da UNESCO para os países “do terceiro mundo” e do ambiente ditatorial dominante na América Latina, que, como aponta o documento, “não podia admitir a existência de uma prática profissional baseada na liberdade de expressão, no direito à informação e na fiscalização do poder”.
Uma explicação simples, sintetizada, mas bastante esclarecedora. A partir dela já não é mais fácil perceber o quão importante é o papel do Jornalista para a construção da sociedade, de suas características e formas de pensar, criticar e mudar os governos? Como indicam as “palavras bonitas”, a profissão pode sim assumir papel equivalente nos dias de hoje, nos quais a notícia existe mesmo sem o jornalismo, como alerta a compilação.
Nesse sentido, a partir da leitura é possível que seja despertado um olhar atento a como é tratado o Jornalismo na faculdade: será que ele é guiado por objetivos de publicidade, relações públicas ou “mero entretenimento”? Se sim, de acordo com o documento, está sendo comentado um erro gravíssimo, de raízes históricas.
Como registrado na compilação, por conta da imposição do Curso de Comunicação Social de modelo único, ocorre o desaparecimento de conteúdos fundamentais como Teoria, Ética, Deontologia e História do Jornalismo, diluídos em conteúdos gerais da Comunicação, que não respondem às questões particulares da prática profissional. De acordo com as diretrizes, é daí que surge o problema da ruptura entre a teoria e a prática dos cursos de comunicação, responsável por fazer com que muitos calouros já desistam do Jornalismo no primeiro ano de faculdade, ou que se formem jornalistas frustrados, que precisam, infelizmente, escolher entre “negar a profissão em nome do espírito crítico, ou desprezar a teoria estudada para se voltarem à prática”. Dramático, não?
Nem tanto, se comparado a outro detalhe apontado pelo texto: ainda é comum nas salas de aula, as milhares de análises críticas feitas à mídia e a atuação dos jornalistas na atualidade sem o compromisso em sugerir melhorias e aperfeiçoamento das práticas da profissão. As novas diretrizes propõe, a todo instante, a busca por esse aperfeiçoamento, dando a dica, para os cursos, de procurarem alinhar a teoria à prática, a partir, por tanto, do tratamento especializado para com as necessidades do exercer profissional.
E como “dever” de um curso de Jornalismo, são apontados aspectos chave para a formação de um verdadeiro profissional, inseridos no ícone “Projeto Pedagógico”. Esses aspectos são possíveis de serem colocados em prática. O currículo deve contar com uma estruturação que promova a articulação do jornalista com diferentes segmentos da sociedade, o que pode transformar e aprimorar a sensibilidade profissional; a vivência de situações variadas, em diferentes cenários de atuação, e o ensino do futuro jornalista a cuidar se suas fontes e a lidar com problemas reais.
“Atuar criticamente na profissão, de modo responsável”, e “projetar a função social da profissão” fazem parte desse projeto. No documento, os autores reconhecem explicitamente que já estamos inseridos em um “ambiente regido pela convergência tecnológica, onde não é mais o impresso a espinha dorsal”. Atenta, também, para a grande oferta de mão-de-obra em contramão da oferta de emprego, exigindo que os cursos preparem seus jornalistas para um exercer autônomo da profissão.
Competências e Crítica
Considerar o pluralismo da sociedade atual é apresentado como um dos pré-requisitos de perfil de um jornalista. E, a partir daí, a Comissão de Especialistas compilou as “Competências” básicas que devem ser desenvolvidas nos alunos na escola de Jornalismo.
Pode-se destacar 10 desses “mandamentos”: Compreender e valorizar o regime democrático, com a pluralidade de opiniões, os direitos humanos, a justiça social; Conhecer a história, a cultura, a realidade social, econômica e política brasileira – lembrando da diversidade regional e dos contextos latino-americanos; Distinguir entre o verdadeiro e o falso; Analisar informações em qualquer campo de conhecimento; Dominar a expressão oral e escrita em língua portuguesa; Ter domínio de mais dois idiomas; Interagir com pessoas e grupos sociais de formações culturais diversas e diferentes níveis de escolaridade; Cultivar a curiosidade e a humildade em relação ao conhecimento; Saber conviver com o poder, a fama e a celebridade; Atuar sempre com discernimento ético.
Essas seriam as competências gerais. Tratando-se do ensino de Jornalismo no Brasil, principalmente em relação aos 4 últimos tópicos, é possível pensar graves deficiências, que tocam o tal “orgulho”, capaz de eliminarem a sensibilidade tão crucial à profissão.
As Universidades ainda são elitistas, fechadas, e o ensino do Jornalismo é diretamente afetado por isso. Da faculdade, sai um “jornalista” que ainda não consegue olhar para além do seu próprio umbigo, da sua classe social, que se acha possuidor das verdades, confortável com seu “alto grau de conhecimento e intelectualidade”, que acaba engolido pelo poder e fama, que se tornam as verdadeiras diretrizes de suas vidas profissionais.
Enquanto as competências gerais “cutucam” esse orgulho, as competências específicas apresentadas alertam os cursos para que ensinem seus alunos sobre como funcionam as instituições estatais, privadas, partidárias, religiosas; os fundamentos da Cidadania; o valor da precisão, da apuração bem feita, da depuração, da veracidade, da edição e difusão dos conteúdos jornalísticos. A clareza e a ética também precisam e devem estar presentes de maneira que valorizem o direito dos cidadãos à informação e o livre trânsito de idéias, assim como o poder do jornalista de fiscalizar, denunciar, relembrar e contar as histórias para formular a História.
A leitura das Diretrizes auxilia o aluno de jornalismo a entender o que é o Jornalismo, e como suas capacidades de expressão oral e escrita, assim como seu olhar minimamente sensível e crítico podem ser potencializados, aprimorados, melhorados ao longo dos 4 anos de faculdade. Essa leitura revela que o motivo real de indignação de muitos ex-estudantes de jornalismo está não no Jornalismo em si, mas em como os cursos vêm apresentando a profissão, e organizando o “como ensinar”; é o velho “empurrando com a barriga”.
Membros e Método
A Comissão de Especialistas responsável por reformular as diretrizes foi instituída pelo Ministério da Educação, constituída por oito jornalistas: José Marques de Melo, Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior, Eduardo Barreto Vianna Meditsch, Lucia Maria Araújo, Luiz Gonzaga Motta, Manuel Carlos da Conceição Chaparro, Sergio Augusto Soares Mattos e Sonia Virgínia Moreira.
As decisões sobre os valores, as técnicas, a teoria e a prática que precisariam estar contidos na grade curricular de Jornalismo foram delineadas a partir, principalmente, de audiências públicas abertas. Segundo o documento, as audiências públicas foram escolhidas como metodologia pois “ouvir a sociedade” é uma espécie de primeiro passo para o exercício da profissão. Nesse sentido, os membros da Comissão receberam diversas propostas, oriundas de diferentes setores da sociedade, desde pesquisadores e líderes estudantis, à empresários e professores.