Quem move o Jornalismo nos Estados Unidos
Quem são, de onde vêm e para onde vão os estudantes de Comunicação das universidades americanas
por Marina Pastore
O ensino do Jornalismo não é (e provavelmente jamais será) completamente uniforme em todas as escolas, assim como não é homogêneo o seu corpo discente. Um exemplo claro dessa diversidade é a análise do currículo dos ingressantes no programa de mestrado em Jornalismo da Universidade de Berkeley: há alunos graduados nas mais diversas áreas, de História a Psicologia, de Biologia a Matemática. Mas certas características de cada escola – número de alunos matriculados a cada ano, porcentagem de alunos estrangeiros, áreas de especialização escolhidas – permitem traçar um perfil dos alunos de Comunicação num país, o que ajudará na compreensão da própria mídia local.
No caso dos EUA, desde 1937 as escolas de Jornalismo e Comunicação respondem à Pesquisa Annual de Jornalismo e Comunicação de Massa (Annual Survey of Journalism and Mass Communication), pesquisa que reúne dados sobre o número de cursos, matrículas, diplomas concedidos e outras características de cada instituição. A partir de 1997, a pesquisa passou a ser coordenada pela Universidade de Georgia, sob responsabilidade do professor Lee B. Becker.
Os dados desta pesquisa vêm de um censo feito junto aos diretores de escolas, departamentos e cursos de Jornalismo listados no Diretório de Jornalismo e Comunicação de Massa, publicado pela Associação pela Educação em Jornalismo e Comunicação de Massa, e/ou no Guia de Carreira e Estudos em Jornalismo, publicado pela Fundação Dow Jones. Os últimos dados disponíveis são de 2009: neste ano, foram consultados representantes das 483 escolas listadas nestas publicações, das quais 478 oferecem graduação na área, 210 oferecem mestrado e 46 oferecem o doutorado.
Vamos aos números
Um dos dados interessantes levantados pela pesquisa é a quantidade de matrículas em cursos de Jornalismo e Comunicação. Em 2009, foram registradas 200.639 matrículas – uma queda de 0,5% em relação a 2008 (201.477). Foi a primeira vez desde 1993 que houve queda neste número.
Já na pós-graduação, as matrículas no mestrado caíram 2,1%: foram 13.034 matrículas, contra 13.311 em 2008. Depois de um grande crescimento entre 2006 e 2007, o número sofreu quedas nos dois últimos anos. Já as matrículas no doutorado são as que se mantêm mais estáveis no período pesquisado, oscilando em torno de 1400 a 1600; em 2009, foram 1623, contra 1581 em 2008. Foi, portanto, o único número que apresentou crescimento (2,6%) na comparação com o ano anterior.
Já o número de diplomas cresceu tanto na graduação quanto na pós-graduação. No ano acadêmico que vai de 2008 a 2009, foram concedidos 50.850 diplomas de graduação, 4482 de mestrado e 250 de doutorado, uma alta de 0.5%, 4.9% e 10.6%, respectivamente.
Outro dado que se pode extrair da pesquisa é o número de alunos estrangeiros presentes nos cursos:
Na graduação, a porcentagem de alunos estrangeiros manteve-se praticamente estável nos últimos anos, em torno de 1%; em 2009, mais precisamente, foi 1.2%. No mestrado, a variação no período foi maior, estacionando nos 10% nos últimos dois anos. Já no doutorado, a porcentagem é muito maior: chegou a quase um terço dos alunos entre 2002 e 2004, e em 2009 ficou em 24.4%.
Uma curiosidade: as mulheres são maioria nos três níveis de formação em Jornalismo e Comunicação. Esta é uma tendência que vem se mantendo desde os anos 80 e se acentuando cada vez mais; apenas no doutorado os homens eram maioria até o início da década de 90, quando a situação se inverteu.
É o Jornalismo que interessa?
Um último dado que permite tirar muitas conclusões interessantes é o número de matrículas por área de especialização:
Desde a década de 1980 as matrículas em Telecomunicações e Publicidade vêm caindo, enquanto as em Relações Públicas oscilam em torno de 15%, e as em Jornalismo, entre 20 e 30%, chegando a 28.3% em 2009. A partir de meados da década de 1990, as matrículas em “outros” vêm se mantendo consistentemente acima das demais, com um crescimento rápido a partir de 2007. Este dado mostra a tendência de especializações não apenas nas áreas de jornalismo online e novas mídias, mas também em campos mais amplos da Comunicação, que permitam uma diversidade maior de colocações no mercado – reflexo da crise econômica que os meios tradicionais enfrentam hoje.
Habilidades que anos atrás seriam consideradas “extras” – e hoje já são quase exigidas por muitos meios de comunicação – ainda não parecem ter sido incorporadas pelas escolas de jornalismo, o que se reflete nas demandas dos estudantes. Uma das perguntas colocadas pela pesquisa diz respeito às matérias que os alunos pediram que fossem incorporadas ao currículo: 18.1% solicitaram matérias relacionadas à web, e 9.5% gostariam que fossem abordadas as novas mídias.
Este tipo de deficiência talvez seja um dos motivos pelos quais muitos alunos considerem que a experiência de estágio em meios de comunicação ou no próprio jornal da faculdade tenha sido um aprendizado importante, equivalente ou até maior do que o oferecido pela faculdade. Foi o que mostrou uma pesquisa do Projeto pela Excelência em Jornalismo do Centro de Pesquisa Pew feita com alunos de jornalismo das universidades de Columbia, Georgetown, Michigan, Missouri, Northeastern e Ohio.
Dos estudantes entrevistados, dois terços declararam estar trabalhando no jornal da escola ou estagiando em algum meio de comunicação. Para muitos, a oportunidade de trabalhar numa redação enquanto estudavam foi determinante para que se sentissem preparados para um futuro emprego em tempo integral. Foi o que disse Tom Keller, estudante da Universidade Estadual de Michigan, que trabalhou no jornal da escola, o The State News: “Foram aquelas decisões do dia a dia que me ensinaram o que é o jornalismo. As disciplinas da faculdade foram um bom suplemento, mas sem experiência prática, não teriam fornecido todo o treinamento de que eu precisava”. Ainda assim, mais de um terço dos participantes da pesquisa declarou ainda ter dificuldades num aspecto crucial da prática jornalística: a condução de entrevistas. Esta habilidade e a de preparar reportagens multimídia foram mencionadas como elementos que ainda são abordados de maneira insuficiente nas faculdades.
Por fim, a pesquisa traz ainda as avaliações dos alunos a respeito do futuro do Jornalismo como um todo: a percepção geral é de que a atividade deve se preparar para mudanças dramáticas devido à emergência das novas tecnologias e do jornalismo cidadão. “O jornalismo está numa encruzilhada”, disse Molly O’Hare, daUniversidade de Ohio. “Novas tecnologias e novos métodos estão modificando a maneira como as pessoas querem receber suas notícias, e o jornalismo tradicional está perdendo sua proeminência. Dito isto, os meios de comunicação têm a oportunidade de se adaptarem e de se tornarem parte vital desta revolução. Se as pessoas nessa indústria conseguirem ficar à frente da curva e não se prenderem às maneiras antiquadas de fazer as coisas, não há motivo para que o jornalismo não continue sendo um componente influente e valioso da sociedade do futuro”.
Para saber mais:
– Annual Survey of Journalism and Mass Communication
– Pew Research Center’s Project for Excellence in Journalism
– The Journalist’s Road to Success: a Carreer Guide