Currículo de jornalismo sofre mudanças com base no “Livro Branco”
Documento elaborado em 2004 por uma rede de universidades espanholas fornece as diretrizes para as grades dos cursos
Por Alice Agnelli
Os currículos dos cursos de comunicação na Espanha sofrem mudanças desde 2004, quando foi publicado o Livro Branco, elaborado pela Agência Nacional de Qualidade e Acreditação (Aneca). Ele feito a partir da Conferência de Decanos de Faculdades de Comunicação da Espanha e é resultado de um “trabalho levado a cabo por uma rede de universidades espanholas, apoiadas pelo Aneca, com o objetivo de realizar estudos e conselhos no desenho de um curso de graduação”, segundo o site da instituição. As alterações no ensino de jornalismo estão compiladas no Livro Branco dos títulos de graduação em Ciências da Comunicação.
A primeira das diretrizes básicas que consta no documento é separar o ensino de comunicação em três graduações: jornalismo, comunicação audiovisual e publicidade/relações públicas. Em 2004, aproximadamente 14 mil estudantes estavam matriculados em jornalismo – algo que permanece estável desde 1999. Em publicidade/relações publicas houve um aumento nesse mesmo período, alcançando por volta de 10 mil alunos matriculados. Comunicação audiovisual é o curso com menos procura, contando com menos de 8 mil alunos matriculados em 2004, em toda a Espanha. Acompanhe a evolução dos alunos de comunicação, segundo dados de 2004 publicados pela Aneca:
Cada curso é estruturado em quatro anos (240 ECTS) com conteúdo comum de até 50% das matérias – o que garante aos alunos a opção de escolher determinadas disciplinas a partir de seu interesse, bem como possibilita que a universidade se especialize em determinados assuntos. Permitir uma “titulação dupla” também está entre as diretrizes.
Um caso interessante que exemplifica este último tipo de graduação acontece na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona. O curso de jornalismo pertence apenas ao “segundo ciclo”. Isso significa que o aluno deve ter cursado previamente outra carreira para entrar no jornalismo. Sua duração é de apenas dois anos. Com grande parte de matérias práticas, o estudante pode optar por qual área dentro do jornalismo seguir, escolhendo entre os quatro itinerários que a faculdade oferece: humanidades, política, economia e direito.
Características dos estudantes de comunicação
O Livro Branco também estabelece as características necessárias para os formandos em jornalismo. São elas: capacidade analítico-crítica; boa preparação técnica e profissional; experimentação derivada da prática em laboratórios e profissional; reflexão sobre o “fazer jornalístico”; predisposição à inovação; e, facilidade de adaptação às mudanças.
O gráfico abaixo demonstra a competência dos estudantes formados em cada aspecto. Os dados são da Aneca, em 2004:
Para que essas competências sejam alcançadas, foram estabelecidos alguns objetivos para o curso:
1. Buscar pelo conhecimento racional e crítico da atualidade, para que o aluno possa compreender a sociedade e saiba transmitir informações de maneira compreensível;
2. Conhecer dos principais acontecimentos e processos das sociedades atuais, desde uma perspectiva sincrônica;
3. Proporcionar um conhecimento suficiente das técnicas de busca, identificação, seleção da informação, bem como examinar criticamente as fontes e documentos;
4. Expressar com clareza e coerência em sua língua materna e ter conhecimento de outros idiomas – particularmente o inglês;
5. Alcançar conhecimento sobre os conceitos e teorias das pesquisas sobre comunicação.
A média do conhecimento de cada ponto dos alunos das escolas de jornalismo espanholas pode ser vista abaixo:
Segundo o Livro, o currículo deve incluir formação em Ciências Sociais, Humanidades, Ciência e Tecnologia – de maneira interdisciplinar; Teoria, História e Estrutura da Informação e da Comunicação; Línguas e Capacidades Expressivas para os diversos suportes técnicos de comunicação; Ética; Gestão Empresarial; e, também, trabalhos práticos.
A divisão do conteúdo curricular do curso de graduação em jornalismo é a seguinte: metade fica para conteúdo comum obrigatório, 10% os instrumentais obrigatórios (laboratórios, por exemplo) e os outros 40% para conteúdos próprios da universidade.
Veja quais são os conteúdos comuns:
E, a seguir, as matérias de conteúdo instrumental obrigatório:
Teoria versus Prática
Essa divisão e a aplicação do Plano de Bolonha têm gerado polêmica quanto às disciplinas teóricas versus práticas. O jornalismo, de certa forma, é considerado uma profissão prática. Apesar de haver um grande campo de estudo teórico em questão, parte dos profissionais formados não segue a área acadêmica. Mesmo assim, poucos são os cursos na Espanha que possuem laboratórios de jornalismo. Na Universidade Carlos III de Madri, por exemplo, as aulas são práticas, mas a produção feita pelos alunos não é divulgada. “Simplesmente apresentamos o texto para o professor, não fazemos jornais, nem distribuímos”, conta a estudante Maria Valerón. “A universidade tem jornais digitais e revistas impressas, mas eles não fazem parte de uma disciplina: são projetos voluntários para alunos”.
Célia Becerra, também aluna de jornalismo da Carlos III, complementa: “Temos muitas práticas devido ao Plano de Bolonha”, conta, “mas não são laboratórios de jornalismo, e sim aulas de redação”. Sandra Ruiz Bernardino, da mesma faculdade e curso, também reclama de como são feitas as aulas práticas: “Poucas são as disciplinas que exigem reportagens”. Ela diz que apesar de estar no 4º ano de jornalismo, em apenas uma matéria participou da elaboração de um jornal. E ele não foi publicado.
No artigo A formação dos jornalistas no século XXI no Brasil, Espanha, Portugal e Porto Rico, o professor de comunicação Xosé López García, da Universidade de Santiago de Compostela, fornece uma solução para o dilema teoria vesrus prática: “a tendência é o equilíbrio entre a parte teórica e prática, mas sem cair nos interesses das principais empresas do setor”, e segue, “a aposta pela formação do jornalismo na universidade está consolidada nos planos e há um número de faculdades espanholas que trabalham para melhorar a oferta da formação dos jornalistas com preparação teórica e prática, com graduados que sabem e que sabem fazer – que têm habilidades e competências no campo do jornalismo”.
Marcial Murciano, diretor do Observatório Iberoamericano de Comunicação e professor de jornalismo da Universitat Autônoma de Barcelona, concorda: “A relação entre teoria e prática nunca esteve tão equilibrada na graduação espanhola como ela está hoje”.
Referências:
GARCÍA, Xosé López. LA FORMACIÓN DE LOS PERIODISTAS EM EL SIGLO XXI EN BRASIL, ESPAÑA, PORTUGAL Y PUERTO RICO. Revista Latina de Comunicación Social, 2010. Disponível em: http://www.revistalatinacs.org/10/art2/896_Santiago/18_Xose.html
MURCIANO, M (dir.). LIBRO BLANCO DE LOS TITULOS DE COMUNICACION. Aneca, Madrid, 2004. Disponível em: http://www.aneca.es/var/media/150336/libroblanco_comunicacion_def.pdf