Por uma formação de excelência
Modelo Curricular da UNESCO pretende contribuir com o ensino de jornalismo unindo experiência prática e fundamentação teórica humanista
por Julia Tami
A UNESCO lançou em 2010 a versão em português do Modelo Curricular para o Ensino de Jornalismo, fruto de um projeto iniciado em 2005, em resposta às demandas de Estados-membros para a elaboração de um modelo curricular. O crescimento do número de meios de comunicação, principalmente em países em desenvolvimento e democracias emergentes, e as atividades da UNESCO relacionadas à qualidade da imprensa e da comunicação social foram as principais motivações para a criação do documento.
A produção foi colaborativa e contou com quatro etapas. Primeiro, foi realizada uma reunião consultiva com especialistas, em Paris, seguida da elaboração de um currículo inicial por uma equipe de quatro professores: Michael Cobden (Canadá), Gordon Stuart Adam (EUA/Canadá), Hans-Henrik Holm (Dinamarca) e Magda Abu-Fadil (Líbano). Na terceira etapa, essa proposta foi então submetida à análise de vinte docentes com experiência de ensino em países em desenvolvimento e democracias recentes. Por fim, outro grupo de instrutores escreveu o programa detalhado das dezessete disciplinas fundamentais, que, após uma última análise em reunião consultiva da UNESCO, compôs o documento apresentado no 1º Congresso Mundial de Ensino de Jornalismo, em junho de 2007, em Cingapura.
Há propostas de currículos para três níveis: ensino médio, graduação e pós-graduação. No ensino médio, a UNESCO propõe a formação profissionalizante básica. Na graduação, ou bacharelado, o currículo sugerido se estende por três ou quatro anos. Na pós, que inclui especializações e programas de mestrado, o programa contempla estudantes que já cursaram uma formação na área e também aqueles que nunca tiveram contato com o ensino de jornalismo.
Uma característica que se observa nos três níveis é a recomendação de um aprofundamento teórico em ciências humanas. De acordo com o documento proposto pela UNESCO, a formação de excelência em jornalismo tem uma forte base humanista. O professor Gordon Stuart Adam, da Universidade Carleton, no Canadá, e do Instituto Poynter para Estudos da Mídia, diz que o propósito era unir estudos especializados de disciplinas teóricas com a prática profissional, de preferência dentro do ambiente da universidade, que reúne ciências e conhecimentos distintos.
“Houve uma tentativa de encorajar a ideia de que o estudo acadêmico é fundamental para o exercício do jornalismo”, explica Adam. Segundo o professor, “[o documento] procurou estratificar o estudo da reportagem em uma seqüência criada cuidadosamente e composta por reportagens básicas, intermediárias e especializadas que se encaixam em áreas de estudo acadêmico aprofundado nas universidades em geral. O modelo básico representou uma tentativa de incorporar uma série de abordagens para o ensino do jornalismo em um modelo uniforme e abrangente.”
Os programas para cada um dos tipos de diploma foram divididos por ano letivo e por semestre. Além da organização do conteúdo de acordo com cada período do curso, há também uma extensa descrição das competências do jornalismo. Por último, a UNESCO sugere um programa detalhado das disciplinas, com bibliografia e planos de aula.
Diferenças e Adaptações
Os autores do documento reconhecem as diferenças e especificidades de cada país. Há inúmeros fatores e contextos que afetam o ensino de jornalismo em localidades distintas. Michael Cobden, coordenador do projeto e professor da Universidade King’s College, no Canadá, afirma que foram considerados dois principais fatores. Primeiramente, a democracia como condição para a prática jornalística e para o seu ensino. De acordo com o professor, uma estrutura de governo não-democrática torna-se incapaz de estimular o exercício e o ensino adequado da profissão. Outro fator é a condição mínima de recursos das escolas, que demandam uma estrutura básica, com equipamentos e computadores, além de bons profissionais: “Escolas que não dispõem de recursos adequados também não serão capazes de empregar jornalistas competentes e acadêmicos para servirem como instrutores”.
Se preservadas as condições básicas, Cobden acredita que muito do que há no Modelo pode ser adaptado pelos diferentes países e instituições. “Esperamos que as escolas de jornalismo adaptem esses currículos para suas próprias necessidades e recursos – além da sua própria língua e cultura. O objetivo era estabelecer um padrão para programas de ensino, ou pelo menos dar às escolas modelos que pudessem se adaptar”, conclui o professor.
No Brasil e no mundo
Guilherme Canela, coordenador de comunicação e informação da UNESCO no Brasil, ressalta o caráter não prescritivo do Modelo. Para ele, trata-se de uma recomendação e de um documento aberto para consulta, sempre disponível às instituições de ensino. Canela afirma que o material foi enviado para todos os cursos de jornalismo do Brasil, mas acredita que as instituições aguardam ainda pela decisão do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre as diretrizes curriculares do curso de jornalismo. Apesar de o próprio CNE ter tido acesso ao Modelo durante as discussões, a comunidade acadêmica e a própria UNESCO esperam a decisão do Conselho para realizarem as adaptações necessárias.
Canela também aponta algumas das principais ações fora do Brasil: “Há neste momento um conjunto de iniciativas para apoiar a adaptação desse currículo em diversos países, sobretudo os africanos. Há um conjunto de iniciativas em curso, de atividades e políticas de um uso efetivo deste material, para se avaliar os potenciais e impactos dessa discussão.”
O documento está traduzido atualmente para nove línguas e a UNESCO pretende estender ainda mais seu alcance, principalmente na África. “No caso africano, houve um interesse contundente de muitos países, por isso houve a criação do que chamamos de Centros de Excelência do Ensino de Jornalismo na África, que auxiliam na adaptação desse material.”, afirma Canela.
O documento pode ser acessado pelo site da UNESCO ou pelo link: http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001512/151209por.pdf