A Via Sacra do estudante de jornalismo na França
O percurso de ensino valorizado na profissão, la voie royale, inclui a graduação e o Master; mas são poucos os que conseguem completá-lo
por Julia Tami
Na França não há obrigatoriedade de um diploma para ser jornalista. No entanto, os profissionais contratados têm, em sua maioria, uma formação em curso superior na área. São muitas as possibilidades: graduação ou pós-graduação, escolas públicas ou privadas, dentro de grandes universidades ou em pequenos centros de formação. Todas essas variantes compõem caminhos diversos para a formação profissional.
Entre tantos percursos, um desfruta de grande reputação. La voie royale (a estrada real) é a mais desejada pelos ingressantes no mercado, reconhecida por profissionais e empresas de comunicação. Segundo o relatório do Observatório das Mídias, de 2010, além desses estudantes terem um acesso mais rápido à carta de identidade dos jornalistas, seu estatuto de estagiário é reduzido de dois anos para um, sendo eles também prioridade de contratação em muitos veículos de imprensa[1].
Essa formação consagrada começa com um ensino mais amplo no período correspondente à graduação – em ciência política, direito, letras, sociologia, entre outras – com duração de três anos (Bac+3). Tendo cursado esse ciclo inicial, há então opções para jornalismo especificamente, que correspondem a um período de pós-graduação (Master), geralmente com duração de dois anos. Para cursar o Master é obrigatório o diploma do Bac+3, independentemente da área.
Na via sacra do jornalista, portanto, os caminhos são muitos, mas a estrada real é uma só. O fim do percurso é o Master em uma das treze escolas reconhecidas pela profissão, que formam aproximadamente quatrocentos jornalistas por ano.
Escolas reconhecidas x não reconhecidas
Além da valorização no mercado, la voie royale tem também o reconhecimento corporativo dos jornalistas franceses, o que reforça ainda mais a sua imagem de excelência. Existem na França setenta instituições de ensino de jornalismo, mas apenas treze cursos – que compõem a estrada real – são reconhecidos pela Comissão Nacional Paritária de Emprego do Jornalista (CPNEJ), formada por representantes de organizações dos editores e também dos sindicatos de jornalistas. Essa comissão estabelece o conjunto dos treze cursos “reconhecidos pela profissão”, de acordo com sua duração, princípios, disciplinas, entre outros.
A maioria dos profissionais absorvidos pelo mercado, contudo, não obtém essa formação. Segundo Rémy Le Champion, professor e diretor adjunto do Master em jornalismo do Instituto Francês de Imprensa (IFP) da Universidade Pantheon-Ássas, somente 15% desses profissionais cursou uma das treze instituições reconhecidas pelo CPNEJ.
Para o professor, o quadro se deve a uma inadequação entre demanda e oferta no ensino de jornalismo, de maneira que as treze escolas não são capazes de absorver a quantidade de alunos interessados. Os processos seletivos são concorridos e oferecem poucas vagas, o que gera uma incompatibilidade com o mercado.
Segundo o relatório divulgado pela Comissão da Carta de Identidade dos Jornalistas Profissionais, em 2008, havia 37.307 jornalistas titulares da carta de imprensa, sendo que 2.004 deles eram recém-formados que tiravam a carta pela primeira vez. Desse grupo, apenas 295 são diplomados de cursos reconhecidos pela profissão. Em 2010, um novo relatório confirma que somente 15,6% dos jornalistas contratados vêm de escolas reconhecidas pelo CPNEJ.
Assim, mesmo sem oferecer um curso de excelência, outras instituições acabam lançando profissionais que são igualmente contratados: “Existe uma verdadeira diferença entre as escolas reconhecidas e as que não são. Muitas delas não são reconhecidas; algumas são sérias, mas na realidade muitas dessas formações são criadas para responder à grande demanda de estudantes dispostos a pagar para realizar seu sonho de ser jornalista.”, afirma Rémy Le Champion.
Caminho para poucos
Ainda que não sejam reconhecidas, formações em outras instituições e mesmo em outras áreas do conhecimento são comuns no meio jornalístico. Pierre-Ludovic Viollat, correspondente da rede de televisão France 24 no Brasil, cursou a graduação e o Master. Na sua época, ainda não estava consolidada a trilha de formação que passou a ser chamada de la voie royale, mas ele seguiu um caminho correspondente. Primeiro, cursou ciência política pela Science Po, no nível de graduação, e, depois, na pós-graduação, fez jornalismo na Universidade de Strasbourg. No entanto, também enxerga qualidades em formações diversas. Para ele, outros horizontes e pontos de vista trazidos por cursos como economia e medicina são igualmente ricos e positivos.
Viollat acredita que a formação reconhecida prepara bem o aluno, principalmente por meio dos períodos de estágio propostos e dos ensinamentos técnicos e éticos. Ele também lembra que essa é uma realidade para poucos, fruto do próprio sistema de ensino francês, que limita o acesso às melhores escolas: “A Science Po, por exemplo, sendo uma grande école francesa, tem uma formação mais elitista. Com o ingresso através de concursos e de seleção competitiva, são poucos os alunos e, sobretudo, pessoas de classe média e alta que entram nessas escolas.”, conclui Pierre.
Referências:
[1]LE CHAMPION, Rémy. Les represéntations collectives des formations initiales em journalisme et leur efficacité em question. Les Cahiers du Journalisme, no 21, Automne 2010
Rapport: Observatoire des Medias 2010. Comission de la Carte d’Identité des Journalistes Professionelles.