Nenhum curso é perfeito
Currículos das faculdades dos EUA e do Canadá ainda não correspondem ao que o mercado pede
Por Beatriz Amendola
Quem escolhe um certo curso de graduação ou de pós está, na grande maioria das vezes, buscando habilidades que serão úteis na carreira que escolheu exercer. Contudo, o mercado – principalmente o de jornalismo – tem mudado de forma incrivelmente rápida nos últimos anos, e boa parte dos cursos ainda não conseguiu se adaptar para atender às demandas do mercado.
Mas para desenvolver a questão, é importante tocar em um ponto básico: o que as empresas procuram na hora de contratar um jornalista? Curiosidade e saber escrever são requisitos básicos, mas não os únicos: “ Eu estou procurando por estudantes que tenham boa escrita, muita curiosidade, ideias criativas sobre como fazer coberturas para o noticiário e disposição para aprender e questionar para aprimorar suas habilidades“, conta Michelle Richardson, editora de cidades do Montreal Gazette, o quinto jornal de maior circulação do Canadá.
Tais características e habilidades deveriam ser fáceis de serem encontradas nos jornalistas iniciantes, uma vez que, de acordo com Michelle, eles costumam vir diretamente dos próprios cursos de jornalismo e comunicação – mesmo que isso não seja um pré-requisito exigido formalmente pela legislação . Essa, porém, não é a regra.
Muitas escolas acabam não preparando os alunos para o dia a dia do mercado de trabalho, principalmente no que se refere à base prática: “A maioria dos estudantes qualificados que eu acabo contratando foram buscar experiência profissional fora das universidades“, conta a editora. Outro ponto negativo que ela verifica é a vontade de conseguir as respostas apenas por elas mesmas, sem fazer questionamentos ao redor delas, como deveria ser essencial a todo profissional do jornalismo.
Michael Roberts, editor de treinamento dos jornais Arizona Republic e Cincinatti Enquirer, compartilha da mesma opinião. Para ele, os recém-formados possuem conhecimentos gerais em questões relativas à ética e à Primeira Emenda – que assegura a liberdade de imprensa no país -, mas não as habilidades fundamentais em escrita, pensamento crítico, gramática e entrevista. “Eu diria que essas habilidades faltam [aos estudantes] e eles precisam aprende-las no trabalho. É por isso que alguns anos no jornal da faculdade são tão importantes, uma vez que eles aprendem as habilidades práticas valorizadas por potenciais empregadores no jornalismo“, conta.
E se as faculdades não conseguem trabalhar com princípios tão básicos da profissão, tampouco conseguiram acompanhar as grandes mudanças que a plataforma online trouxe ao jornalismo, como a velocidade e a convergência de vários recursos. “Acho que os estudantes ainda estão sendo treinados para caber nas velhas descrições do emprego: repórter de impresso, repórter de televisão ou repórter de rádio. Eles não estão sendo treinados para trabalhar em todas essas áreas, que é o que estamos pedindo para os jornalistas fazer diariamente: escrever uma reportagem para o papel e trabalhar com vídeos e áudios para o website“, afirma Michelle.
Apesar de concordar em certo grau, Roberts vê com cautela a atitude de algumas faculdades norteamericanas de fazer mais investimentos voltados à área de mídias digitais. Para ele, não adianta as escolas ensinarem essas habilidades sem terem um ensino consistente nas habilidades tradicionalmente exigidas para jornalistas. “Frequentemente, as habilidades digitais aprendidas na universidade são irrelevantes em frente às velozes mudanças no mundo profissional; e mesmo se fossem relevantes, elas não valem nada se o estudante não consegue pensar, escrever e organizar conteúdo, independente da plataforma ou meio.“
O lado dos alunos
Os próprios estudantes confirmam as falhas apontadas pelos editores. A Pesquisa Anual de Jornalismo e Comunicação de Massa (Annual Survey Of Journalism And Mass Communication), que as escolas de jornalismo e comunicação norteamericanas respondem desde 1937, mostraram que, em 2010, o número de graduados que conseguiram um emprego em tempo integral era alto, cerca de 50% – e 68,5% deles haviam recebido uma oferta de emprego no último ano.
Mas apesar da alta empregabilidade, muitos sentem que saíram sem habilidades ligadas ao novo tipo de jornalismo que tem sido praticado nas grandes empresas – e 25% se disseram insatisfeitos com a educação que receberam, o que não deixa de ser um percentual relativamente alto. Em relação ao que não foi aprendido, 31,6% citaram as habilidades necessárias para trabalhar na web, enquanto 7,3% e 4% lembraram das deficiências em design gráfico e edição de áudio e vídeo, respectivamente.
Outro estudo, dessa vez conduzido pelo Pew Research Center’s Project For Excellence In Journalism em 2007 com alunos de jornalismo das universidades de Columbia, Georgetown, Michigan State, Missouri, Northeastern e Ohio, constatou a mesma coisa. Um quarto dos estudantes afirmou que desejaria ter mais treinamento multimídia – em fotos, vídeo e áudio – e reconhece isso como parte essencial do jornalismo da era digital.
A mesma pesquisa encontrou outra deficiência, de caráter mais básico: dois terços dos entrevistados disseram não se sentir preparados para fazer entrevistas, o que é essencial ao dia a dia jornalístico.
Ela ainda converge com outro ponto citado por Michelle e Roberts: a experiência prática como parte essencial do aprendizado jornalístico. 67% dos que responderam ao estudo do Pew declararam estar trabalhando no jornal da faculdade ou estagiando em uma empresa de comunicação, com a intenção de adquirir experiência profissional.