Escândalo dos grampos estimula o debate sobre ética jornalística no Reino Unido
Temas relacionados ao assunto são estudados nas universidades, que incluem o caso em discussões maiores, como a autorregulação da mídia
por Lucas Rodrigues
Em abril desse ano, o tabloide britânico News of the World admitiu publicamente ter interceptado mensagens deixadas na caixa postal de celulares de pessoas envolvidas em casos investigados pelo jornal. Porém, as primeiras acusações de que alguns de seus funcionários estavam praticando intercepções ilegais de telefone surgiram em 2006. Após adquirir status de escândalo, as denúncias causaram, não só o fechamento do News of the World, como também uma série de discussões acerca da ética jornalística.
O caso parece ter prejudicado, ainda, a credibilidade das publicações impressas no Reino Unido. Uma pesquisa realizada pela Nottingham University em meados de julho revelou que a confiança dos britânicos nos jornais caiu 25% depois das acusações, principalmente em relação aos tabloides, como o The Sun, o The Mirror e o Daily Star.
De acordo com a universidade responsável pelo estudo, “a partir dessas informações, é obvio que o público não só tomou conhecimento do escândalo, como também reagiu fortemente em termos de em quem eles agora confiam e em quem não”.
Estudo da mídia
Para tratar do assunto desde a formação dos profissionais, as universidades do Reino Unido possuem disciplinas sobre o tema em suas grades curriculares. Por exemplo, na Cardiff University, que fica no centro da cidade de Cardiff, capital do País de Gales, os alunos do segundo ano de undergraduate têm o curso “Pesquisa de Mídia”, que analisa a atuação da imprensa em diferentes situações.
O departamento de Jornalismo, Mídia e Comunicação da University of Central Lancashire, que fundou o primeiro curso de jornalismo impresso da região, em 1962, oferece aos alunos do terceiro ano de undergraduate a disciplina obrigatória “Ética e Regulação”, na qual os estudantes observam o papel do jornalismo na sociedade e o quadro legal e ético dentro do qual os jornalistas devem trabalhar.
No caso da City University of London, existem duas possibilidades para se debater a questão durante a graduação: através da disciplina “Introdução à Mídia Britânica”, ministrada no primeiro ano, e do curso “Leis da Mídia e Ética”, que foca nas questões éticas, apresenta a teoria legal para a prática da profissão e desenvolve um entendimento detalhado da lei no Reino Unido e como isso afeta o jornalista, durante o terceiro ano de undergraduate.
Ética e autorregulação
Steven Panter, que coordena o curso de master da University of Salford, afirma que o estudo dessas problemáticas está bem presente no cotidiano dos alunos da Universidade. “Nós estudamos ética e isso inclui os códigos de prática como o Código Editorial da Press Complaints Comission, que é uma autorregulação. A radiodifusão no Reino Unido é regulamentada pela Ofcom, que tem poderes assegurados pela lei”, diz.
Segundo o jornalista britânico Martin Fletcher, que já trabalhou em grupos como a BBC e já foi professor da University for the Creative Arts (UCA), “os estudantes da UCA estão bem atentos com as implicações do escândalo dos grampos telefônicos”. Ele explica que questões chave como essa são regularmente discutidas em sala de aula, tanto em termos práticos quanto teóricos.
Fletcher conta ainda que a natureza autorreguladora da mídia no Reino Unido tem sido fortemente criticada, mas como a liberdade de imprensa, por um viés político, é crucial para o funcionamento de qualquer sociedade democrática, nenhuma decisão definitiva ainda foi tomada. “Essas questões e suas implicações são regularmente comunicadas aos alunos da UCA ao passo em que são muito importantes para o entendimento do panorama midiático no qual terão que operar”.
Para ele, a relação entre jornalistas, a polícia e os políticos são obviamente complexas e que a atenção da grande mídia para o caso dos grampos colocou o assunto permanentemente sob os holofotes. “O difícil nesse ponto é dizer como essas relações e suas dimensões éticas vão mudar no futuro”, completa.